De
Sílvio Navas pode-se dizer que, como o seu
personagem, Deslok, ele é um batalhador. Por
conta disso, foi um "belo período" de
30 anos dublando toda sorte de personagens. Mas
também de recuos. Honesto, este torcedor
sofredor do Santos deu para a Animação a sua
verdade dos fatos da dublagem e, claro,
contou-nos sobre a sua carreira.
por
Marcelo Santarém
Sou
oriundo de Santos. Fui para São Paulo em 49 e aos 12 comecei em teatro: Teatro Novos Comediantes, que antecedeu o Oficina, onde aprendi muito do que sei hoje, até a fazer um cenário. Depois, comecei a botar um pezinho dentro da televisão: fui para a TV Excelsior e lá me infiltrei em produção, fazendo assistência, coordenação, quando conheci o Older Cazarré. E ele me convidou a ver uma dublagem na
AIC - e eu nem sabia o que era dublagem. Fui, e no dia seguinte fiz o James Mcarthur no Raptado.
Foram 152 "anéis" - nós chamamos no Rio de loop
-, dividindo as honras com o Hugo de Aquino, que
tinha 154.
E aí começaram a me chamar. Nessa época também comecei a desenvolver, um outro trabalho na TV Tupi, dividindo o meu tempo entre ser produtor e fazer dublagem.
Dentro em breve, eu estava dirigindo na filial
paulista da antiga CineCastro, onde a minha
primeira série oficial como diretor foi o Guzula.
Houve uma vez que nós recebemos o desenho e faltava muita coisa. E o original era japonês. Do lado da
CineCastro havia uma tinturaria onde morava um família japonesa.
Com aquela confusão de coisas faltando, eu fui
pedir ajuda ao filho, que sugeriu chamar o pai,
que só falava japonês, para explicar para ele e
ele, para nós.
Soltamos o filme - ainda era filme naquela época. Aí eu perguntava o que o
boneco estava falando, o tintureiro respondia que
o pai estava achando muito gozado. E ficou nisso
uns 20 minutos, até a hora que eu desisti. Passei
o filme e inventei uma estória em cima, pela
ação dos bonecos, e fiz um texto e gravamos.
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Em 76, eu me transferi para o Rio, começando a trabalhar na Herbert Richers e nas outras empresas da época.
Até que comecei a dirigir aqui pela Peri Filmes,
depois na Herbert, Telecine, VTI e, agora,
Cinevídeo.
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Eu dublei, por exemplo, todos os filmes do Chaplin onde ele fala; em Zorba, O Grego, o Anthony Quinn; o Darth Vader do Guerra Nas Estrelas; o Fred Flintstone desse filme que passou agora. Fiz outro dia na Delart o segundo filme da Willy, a baleia, para vídeo. E no Burke's Law (pela Record), o Dom DeLuise, que fala muito depressa. É um trabalho exaustivo. E desenhos animados: nos Smurfs eu fiz o Papai Smurf, o Vaidoso e mais o fazendeiro; n'A Família Addams, o Gomes...A Patrulha Estelar é um desenho antigo, parece que ta pra voltar, né?, você tem mais subsídios do que eu...
Falando em Delart, eu me lembrei que você fez o Ivan Ooze...
É, nós fizemos lá o Power Rangers para cinema. Eu
acredito que colocaram o Ivan porque nas estorinhas
a parte de bandidos é muito bobinha. Quem aparece
mesmo é o herói. E o trabalho do herói pra
dublagem acaba sendo sempre mais fácil, porque ele
fala bonito, enquanto o bandido tem que trabalhar o
dobro pra sobressair. O Power Rangers é um filme
pequeno, que mostra muito mais eles sem do que com
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a
vestimenta. E a criançada não quer ver eles sem a
vestimenta. Tanto, que os Cavaleiros do Zodíaco
têm a fama que têm porque abre a primeira imagem
e são eles todos daquele jeito. Power Rangers é
uma segunda força, mas com uma diferença
terrível dos Cavaleiros. Eu bem sei, porque o
moleque lá adora. Agora, o Ivan Ooze é um
excepcional trabalho do ator, que realmente puxa o
filme, porque ele é exuberante na maneira de
falar, nos gestos...Gostei bastante de fazer.
Eu
gosto de dublar na Delart, até porque lá eu fico
sob a tutela do Pádua Moreira. Na hora em que ele
dirige, a gente trabalha em completa harmonia. Eu
acho que o trabalho primordial do diretor de
dublagem é ajudar o ator e não se colocar acima
dele. Quando acaba, a direção não aparece; aparece
sim o ator consciencioso: "fiz bem, mas o
diretor me deu uma mão".
Dublador não existe. Existe ator em dublagem na
profissão de ator, que é o que deveríamos ser
primeiro, pra depois sermos dubladores. Há um bom
tempo, existe uma tal de escola da dublagem, e eu
não acho legal, porque até hoje praticamente
não apareceu um vindo de lá pronto para dublar. A
gente precisa burilar, ensinar e ajudar, porque
eles não vêm nada, nada prontos. É mais um negócio
de pegar uma grana por mês e ta acabado.
E daí a gente passa para a estória de você ser funcionário da Herbert e não poder trabalhar lá...
Eu fui presidente da Associação Profissional dos
Trabalhadores em Empresas de Dublagem, na gestão
anterior à atual.
Algumas pessoas são mais políticas do que
outras: eu, por exemplo, sou franco - não seria
nunca um bom político. Então, quando pensaram no
meu nome para a presidência, eu disse que não ia
pegar isso para brincar, mesmo porque eu sempre
soube defender os meus interesses. Foi o que me
propus e fiz. Ou seja, eu pressionei de tal maneira
o Herbert, que ele tinha que me dar o troco. A
princípio, ele só deixava eu trabalhar as sete
horas estipuladas em contrato, o que daria um
salário-mínimo. Mas aí para que eu não
aparecesse lá e não visse nada de errado, ele
proibiu de me escalarem. Então até hoje recebo um
salário-mínimo dele, sem trabalhar. Como havia o
respaldo sindical, ele achou por bem não me
mandar embora, porque eu tinha entrado na justiça
com ele, onde estou até hoje. O Herbert tem um
ótimo advogado, como um relacionamento fabuloso,
e esta porcaria não anda.
Não adianta muito a gente ficar reclamando. Porque
o que eu acho que realmente falta à nossa classe
é uma disposição de enfrentar os patrões numa
briga franca: não por brigar, mais de
solucionar. O Herbert desde 78 paga o diabo da
segunda hora menor. Só agora eles conseguiram que
ele pague a hora sempre igual. Só que nessa hora
igual até hoje está incluído o descanso
remunerado - a porcentagem que você recebe pelo
domingo. E esse descanso remunerado não pode fazer
parte de nenhum coeficiente que você use pra
achar um tanto qualquer: a hora lá do contratado
é 16% do mínimo; mais nisso tem n de descanso
remunerado. Então não é 16%: é menos. E isso é
contra a lei. Mas todo mundo faz de conta que
conseguiu, só porque ele não está mais pagando a
hora secundária menor.
Eu sempre me perguntei o porquê da Herbert perder tantos dubladores. Qual a sua explicação para isso?
Para você se dar bem na Herbert Richers, você
não pode defender determinados princípios,
porque vai acabar sendo cortado. Então, a pessoa
que está ganhando razoavelmente bem não quer
fazer confusão. O que seu mestre mandar, faremos
todos. Essa é a verdade. Tanto, que esses mesmos
elementos que lá aceitam uma série de coisas,
nas outras casas reclamam. Dois pesos e duas
medidas. Até a lei dá um jeitinho pro seu Richers
e dificulta pras outras casas. A Herbert, que tem
seis estúdios funcionando diariamente, precisa
ser vista com uma diferença das outras, que às
vezes têm um estúdio mal funcionando. Você não
pode aplicar as mesmas coisas para empresas
completamente diferentes. Então tem firmas, como
é o caso da Telecine, que se precisarem pegar um
corpo de funcionários para trabalharem, abrem
falência: não há trabalho, praticamente!, aqui
tem, mês sim, mês não. Mas não se pode dar ao
luxo de ter 30 funcionários. Pra cada 100 reais
pagos, existem 102 de despesas em cima. É por isso
que muitos fogem de contratar.
Eu acredito que cada um possa seguir com o seu
modus operandi; mas sempre deve sobrar uma parcela
pra que tentemos unificar isso de maneira que a
gente fique forte, pra lugar contra os mais
fortes. São fortíssimos. O Richers ta ligado com a
Globo, com os grandes distribuidores
americanos...Então ele sabe que conta com um
grande trabalho e que nós temos de estar ali à
disposição.
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Agora, está acontecendo outra coisa muito ruim no nosso meio: nós tivemos um pessoal que foi trabalhar na TV Colosso; e dentro da Globo eles conseguiram se aproximar da seção de cinema e aí começaram a mexer isso de tal forma, que se determinaram como os donos do mercado. Então eles interferem em trabalhos pra que alguns atuem mais que os outros. Como o Herbert tem briga com diversos bons dubladores, se existe uma série de pessoas que trabalham lá, é porque não vai sair o melhor trabalho para elas. E no lugar disso eles se colocaram, influenciam e se ajudam. Inclusive com diretores de outras casas combinados pra escalar esse elenco.
Então isso é um negócio que tem atrapalhado demais o
nosso meio, porque alguns se aproveitam bastante e
outros estão à porta da miséria.
Gostaria de finalizar dentro de um sonho.
Eu gostaria de ver empresários e trabalhadores se unindo em prol de um bem comum: do lado do empresário, o seu capital; do lado do empregado, o seu bolso, a sua família, o estômago. Mas de uma maneira bonita, não ter de viver de capacho pra poder ganhar um pouco mais.
Isso é muito ruim.
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Agradecimentos ao Centro Cultural da Juventude
de São Paulo pelo Material.
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