quarta-feira, 20 de março de 2019

Artigos de Revistas - As Casas de Dublagem (1ª Parte)

Matéria sobre as casas de dublagem para a edição N° 27 de Janeiro / Fevereiro de 2000 da revista TV Séries, contando um pouco da história da dublagem brasileira e o seu decorrer.

AS CASAS DE DUBLAGEM

Por Carlos Amorim

A dublagem surgiu no Brasil na década de 50 com o objetivo de valorizar a língua portuguesa e favorecer o entendimento dos filmes por um número maior de telespectador. Mas como esta arte se desenvolveu? Onde estão antigos estúdios cujos nomes nós acostumamos a ouvir no início de cada série? São justamente estas e outras dúvidas que tentaremos esclarecer nesta matéria. Para mim este prazer, quer dizer trabalho, me permitiu conhecer um pouco mais deste universo fascinante que é a dublagem no Brasil, respondendo dúvidas que eu mesmo tinha.

COMO COMEÇOU A DUBLAGEM NO BRASIL?

A dublagem no Brasil teve inicio em 1957 como o filme O Drama de Nora Hale na Sessão Ford na TV, sendo que foi dublado no Brasil, mas finalizado no México, em virtude de, naquela época, a tecnologia utilizada ser muito nova no país e necessitando de um controle de qualidade de um centro mais desenvolvido no assunto.

Nos primórdios da TV brasileira a recepção era em preto e branco e tinha uma baixa definição de imagens a qual não permitia a utilização de legenda para a exibição de programas estrangeiro. Com a chegada da televisão, a programação precisou ser preenchida com filmes, séries e desenhos, sendo que os primeiros a serem exibidos foram em inglês sem legendas. Por curiosidade, o primeiro desenho a ser exibido no Brasil foi Pica-Pau, em inglês, pela extinta TV Tupi. O fato de estar em um idioma estrangeiro causou grande frustração junto a audiência, em virtude do inglês ser dominado por uma pequena parcela da população, tal qual hoje.

Outro fato que proporcionou o desenvolvimento da dublagem foi o decreto de autoria do Presidente Jânio Quadros em 1962, o qual tornava a dublagem compulsória na exibição de qualquer programa estrangeiro. Este decreto, diga-se de passagem, continua em vigor até os dias atuais embora não seja respeitado. Apesar da dublagem ter sido regularizada em 1962, a profissão de ator, no Brasil, somente foi legalizada em 1978.

A mão-de-obra utilizada para a dublagem foram os rádio-atores da Nacional, Tupi e Record, entre outras, que possuíam os requisitos básicos: boa voz e capacidade de interpretação. Ao contrário do que se acredita, muitos dos dubladores que deram início à profissão continuam em atividade, como é o caso de Newton da Matta (voz do Bruce Willis), Carlos Marques (2ª voz do Robin da série dos anos 60), Gessy Fonseca (voz da Mulher-Gato Julie Newmar), Luiz Manoel (a 1ª voz do Fred de Scooby-Doo, e o menino Dorno de Os Herculoides) entre outros. Um dos grandes pioneiros desta época foi o saudoso Garcia Neto (2ª voz de Spock na dublagem original), este radio-ator, ouviu que estava para surgir esta arte e então dirigiu-se a um estúdio, encantando-se com o trabalho: “Quando disseram que a dublagem ia ser implantada no Brasil em 1957, houve uma manifestação contrária por parte dos atores de novela principalmente, da Rádio Tupi canal 4. Se eles não tivessem se manifestado contra, eu não teria ido. Indo, achei formidável e fiquei” – revelou Garcia em conversas com amigos. No entanto, a crítica no geral e atores de novelas como Nathalia Thimberg, Henriqueta Brieba, Mário Lago, Tony Ramos, Denis Carvalho, Daniel Filho e Lima Duarte, entre outros, encontraram na dublagem mais uma opção de trabalho.

Garcia Neto relatou em entrevistas que os diretores daquela período necessitavam ter um grande conhecimento sobre as técnicas e, principalmente, sobre o equipamento do estúdio para melhor desempenhar sua função: “Em 1960 fiz um curso de direção na Aic. Para ser diretor, era necessário ter um conhecimento de técnica, mixagem e projeção. O início da dublagem era de morrer de rir. Um filme de meia hora que hoje fazemos em seis horas, demorava duas e três semanas, muitas vezes um mês e não saia bem, porque não existia um domínio da técnica”. Atualmente, uma boa parte dos diretores de dublagem são veteranos da dublagem que acompanharam o desenvolvimento desta técnica e estão melhor capacitados, e em sua maioria, para desenvolve-la.

A 1ª dublagem no Brasil foi realizada no estúdio paulista chamado Gravassom, que depois mudou de nome e de proprietários, passando a se chamar AIC. Atualmente, este estúdio é chamado de BKS. A dublagem em São Paulo teve início 6 meses antes que a do Rio de Janeiro. Um dos dubladores pioneiros em São Paulo foi Waldir de Oliveira, a voz do Sr. Spacely de Os Jetsons (Aic) e Glenn Ford no filme Superman (1ª dublagem): “Minha esposa Nícia Soares foi convidada para dublar e eu a acompanhei. Sendo rádio-ator, também entre para dublagem”.


Segundo o gerente de produção do estúdio Delart, Sérgio De La Riva, seu pai, Carlos De La Riva, foi um dos pioneiros, na parte técnica da dublagem brasileira. Ele trouxe da Espanha equipamentos e conhecimento tomando-se o responsável pela implantação da dublagem no Rio de Janeiro. “As primeiras séries dubladas no Brasil foram: Rin-Tin-Tin e Papai Sabe Tudo na GravaSon de São Paulo. Nos conta Sérgio. “Aqui no Rio, foram Bat Masterson, Patrulha Rodoviária e Aventura Submarina na ZIV”. Esta, era uma produtora americana que teve seus programas dublados na dubladora ZIV fundada por Carlos De La Riva.

Para quem não sabe, nos primórdios, a dublagem era feita em um projetor de carvão de 35 milímetros adaptado para 16 milímetros dos quais, alguns ainda estão guardados nos estúdios da Delart. “Quando comecei, ainda criança, o projetor era de carvão e quando, de repente, parava a projeção e o elenco reclamava, o projecionista gritava: “Acabou o carvão! Então tínhamos que esperar até reabastecerem”. Diz Luiz Manoel, proprietário do estúdio Sincrovídeo. “As primeiras dublagens eram feitas num auditório da Cinelab, que era um laboratório de cinema. A primeira série de que me recordo foi A História de Zane Grey e depois chegaram Maverick e Zorro. Enquanto era feito um trabalho de dublagem na Cinelab, paralelamente, era feito um trabalho na ZIV. Mas, esta não deu certo e fechou as portas após seis meses. Então as pessoas que trabalhavam na ZIV fundaram a empresa conhecida como CineCastro”.

Logo após essa fase inicial, os projetores de carvão foram substituídos pelos de lâmpada, como se recorda Rodney Gomes, a voz da Formiga Atômica. “Os projetores de carvão de 35 milímetros foram utilizados somente nos primeiros anos até 1959, depois passou-se para os de lâmpada. A utilização do projetor de carvão foi arranjada ás pressas só para que a dublagem pudesse começar no Brasil”.

A dublagem, nesta fase inicial, era feita com equipamentos em branco e preto, e apesar de algumas séries e desenhos já estarem sendo produzidas em cores e exibidas em preto e branco. Visando não datar o trabalho, os dubladores foram orientados para que não fossem usadas gírias e expressões da época. A proibição de utilizar certos termos e gírias pode ter ocorrido na fase em preto e branco, mas foi abandonada na fase a cores visto que séries como Os Monkees traz gírias da época.

No entanto, com a ditadura militar, veio a censura política que atingiu a produção de programas brasileiros e estendeu-se até a dublagem. “Na série M.a.s.h., conta Rodney Gomes, “que eu dirigia e dublavam o personagem Radar, existia uma censura para nós, diferente ao original. Eles xingavam muito o governo (americano) e as autoridades militares. Nós não podíamos fazer isso naquela época. Eles exercitavam totalmente sua democracia e nós não. Optamos por buscar uma solução que era utilizar sinônimos e suavizar os xingamentos”. A respeito desta censura da época nos relata o dublador e diretor Francisco José, a voz do chefe Sharkey de Viagem Ao Fundo do Mar e Al de Contratempos. “Existia muita preocupação com a censura da época. Quando se falava droga, por exemplo, trocava-se a palavra por outra como mercadoria ou ‘muamba’. A palavra droga era proibida, alias, nada era permitido”.

Hoje, a censura política terminou, mas permanece a censura das emissoras que chegam a trocar expressões fortes ou nomes de programas, mencionados por algum dos personagens, que são exibidos em um canal concorrente. A liberdade de expressão na dublagem é mais nítida na TV por assinatura onde expressões como “merda” já são ouvidas normalmente.

O QUE ACONTECEU ÀS ANTIGAS CASAS?

As principais empresas da época eram Hebert Richers, Ibrasom, CineCastro e Arte Industrial Cinematográfica-AIC, posteriormente, surgiram outras como Tecnisom, Álamo, Peri Filmes e Odil Fono Brasil. Como o leitor certamente já percebeu, muitas destas empresas ainda estão no mercado. Mas o que aconteceu com casas como Ibrasom, CineCastro e Tecnisom?

A Ibrasom e CineCastro tinham um fantástico elenco de vozes, tendo a CineCastro filiais tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, fazendo um trabalho misto com dubladores de ambas as cidades. Duas séries famosas dubladas por este estúdio foram Guerra, Sombra e Água Fresca e James West e o desenho japonês Guzula. “Meu pai, Spyros Saliveros, era técnico de som da CineCastro”. Nos conta a gerente do estúdio carioca Telecine, Zinóvia Saliveros. “A CineCastro começou em 1960 e fechou as portas em 1974. Depois, meu pai comprou o estúdio e transformou na Televox, mas só funcionou durante o ano de 1974. Finalmente em 1975, ele a transformou na Telecine”.

*Observação do Casa da Dublagem, alguns anos depois em contato conosco, Zinóvia disse que o estúdio tivera sido comprado por Paulo Amaral em 1973, dono da Televox, e em 1974 é encampado pela Televox. Já a Telecine foi fundada em 1976, quando a Televox em 1975 faliu, e seu pai Spyros Saliveros criou a Telecine ao lado de Alberto Elias, que anos depois se separa de Spyros e funda a Cinevídeo. Outra correção é que Zinóvia era tradutora do estúdio, e não gerente. Correções essas feitas na edição seguinte, que é a segunda parte da matéria de As Casas de Dublagem, em nota no final da mesma.

Por se tratarem de empresas comerciais, muitas casas de dublagem fecharam suas portas por má administração financeira. Tal qual a CineCastro, a Peri Filmes, de propriedade de Ralph Norman, possuía filias em ambas as capitais. Famosa por dublar séries como Bonanza e Dr. Kildare, também encerrou suas atividades por má administração financeira, como se recorda Luiz Manoel. “Realmente, a TV Cinesom, CineCastro, Peri Filmes e Riosom fecharam por má administração. A Riosom foi encampada pela Dublasom Guanabara”. O mesmo destino teve o estúdio Ibrasom de São Paulo como nos explica Rodney Gomes. “A Ibrasom existiu até 1965 e foi absorvida pela AIC, que tinha um volume de trabalho muito maior”.

A Arte Industrial Cinematográfica, a famosa “AIC, São Paulo” de tantos bons seriados como Perdidos no Espaço, Jornada nas Estrelas, Viagem Ao Fundo do Mar citando apenas alguns, ante a má gestão de seus recursos, acentuado pela greve ocorrida em 1978 foi vendida, passando a chamar-se Brás Kino Som-BKS de propriedade de Pierangela Piquet. “Quando comecei a trabalhar na casa, ela ainda se chamava AIC”. Conta Francisco José. “Posteriormente, foi comprada pelo Bodham Kostiw que era um técnico de som que trabalhava lá. Depois é que deve ter sido comprada pela Dra. Pierangela Piquet, que mudou o nome mas manteve a sigla porque, originalmente Bks significava Bodham Kostiw Studios”.

De acordo com o proprietário do estúdio Dublamix, do Rio de Janeiro, Domingos Pereira da Silva Júnior, um outro fator colaborou com o fechamento destes estúdios: “A CineCastro, Odil Fono Brasil, Aic e Peri filmes fecharam porque surgiram naquela época casas com equipamentos mais baratos e com um preço abaixo do valor cobrado no mercado. Estas dubladoras não conseguiram acompanhar e ficaram sem trabalho até fecharem”.

“A Odil Fono Brasil foi fundada no final dos anos 60”, conta Francisco José, “lembro-me que fiz duas séries lá, uma era O Imortal e a outra era The Protectors, na qual eu fazia o Robert Vaughn. Esta série era dirigida pelo Batista Linardi (a voz do Kowalski de Viagem Ao Fundo do Mar e do General Kirk de O Túnel do Tempo) que era um bom diretor, cujo nome sempre deve ser lembrado quando se falar na história da dublagem no Brasil. Outra série dublada lá foi Persuaders, para a qual eu fiz testar para os principais, Tony Curtis e Roger Moore. A Odil Fono Brasil fechou suas portas em 1985, mais ou menos”.


Há alguns anos, um novo estúdio paulistano também fechou suas portas. A Megassom, responsável pela dublagem de séries como Paixões Perigosas (até o 3ª ano), Maldição Eterna (1° ano), O Quinteto / Party of Five (até o 2° anos), Um Amor de Família (até o 7ª ano) e The Nanny (até o 2° ano), começou suas atividades com o nome de S.c. Produções Artísticas, de propriedade de Antônio Carlos Alvim Coelho e sob direção do veterano dublador Jorge Barcellos, a voz paulista do ator Don Stroud em Mike Hammer, de Dean Martin e o Egon dos Caça-Fantasmas bem como o locutor oficial do Canal Sony no Brasil. “Vários fatores contribuíram para o fechamento da Megassom”. Conta Barcellos. “A empresa expandiu-se rápido demais, chegamos a ter 8 estúdios. Confiamos na estabilidade do plano econômico e na implantação do plano Real. Os problemas econômicos destes planos acabaram por desestruturar a empresa, pois tínhamos muitos contratos em dólar. Infelizmente, não conseguimos honrar os compromissos (financeiros) e tivemos que fechar as portas”.

Tal qual a AIC, que agora chama-se BKS, outras casas fecharam, mudaram de proprietários e alternaram seus nomes como nos conta Jorge Barcellos, “na verdade a Sigma é uma continuação do trabalho iniciado pela Megassom, com o qual temos um compromisso com a qualidade e um respeito muito grande pelo cliente, e principalmente, pelo público que vai consumir nossos produtos”. A carioca Tecnisom que dublava os desenhos da Warner Brothers e o seriado O Planeta dos Macacos, também, mudou seu nome. Atualmente chama-se Delart. “Meu, pai (Carlos De La Riva) fundou em 1964 a Rivaton, que não me lembro exatamente quando acabou, mas sei que por volta de 1978 acabou a Tecnisom e em 1982 ele fundou a Delart, que se mantém até hoje”, diz Sérgio De La Riva.

Os estúdios, na verdade, são empresas estando, assim, sujeitas às situações de instabilidade econômica que assolam o país e que, muitas vezes, passam despercebidas do grande público em razão da distância entre este e os estúdios brasileiros. É uma pena sabermos que nomes que ouvimos ao longo da infância tenham acabado, contudo, fica o registro de seus trabalhos (sane-se lá Deus por quanto tempo) em séries e filmes antigos, principalmente na memória auditiva de todos nos os fãs que, aguardávamos, ansiosamente, pela chegada de mais um episódio de nossas séries favoritas.

E DEPOIS, O QUE ACONTECEU?

Não podemos deixar de mencionar o panorama das casas de dublagem nos anos 70. Principalmente porque alguns acontecimentos merecem seu devido registro até por serem históricos e por não terem sido levados, apropriadamente, ao conhecimento do público. Nesta época, existiam em São Paulo as casas de dublagem BKS, Álamo e Odil Fono Brasil e, no Rio de Janeiro, a Herbert Richers, Tecnisom e Telecine. Em 1978, ocorreu a primeira greve de dubladores que durou por 4 meses, sendo considerada como um dos movimentos mais longos da época. A paralisação tinha por objetivo o aumento salarial, mudanças na estrutura da dublagem da época, entre outras questões como nos fala um dos líderes do movimento, Francisco José: “Paramos porque queríamos mudar o rumo das coisas. Porque estava abusivo. Para se ter uma ideia, a era mais caro um produtor brasileiro tentar dublar um filme nacional que um produtor estrangeiro, porque custa uma porcentagem de salário mínimo. O produto nacional tinha muito mais sanções que o estrangeiro e nós queríamos mudar isso. Queríamos defender o produtor nacional que fizesse filmes e que tinha dificuldades em pagar pela dublagem. Os custos do produtor nacional eram muito maiores, custava o que, em valores de hoje, seria 16% para o estrangeiro contra 33% para o nacional. O que se tentou fazer, a não conseguiu era “frear” isso. Mas, perdemos”.

*Observação do Casa da Dublagem, a greve de 1978 não teria sido a primeira, a primeira ocorreu em 1966.

Os telespectadores sentiram os efeitos desta greve de forma indireta em virtude de vários episódios das séries exibidas na época terem sido reprisados até a exaustão como O Homem do Fundo do Mar pela Rede Globo bem como vários outros desenhos e filmes dos demais canais. Com o fim da greve, muitos dubladores que haviam participado do movimento se recusaram a voltar a trabalhar, outros foram demitidos ou não conseguiram mais trabalho por muitos anos. É por isso que muitas vozes de personagens fixos desta época, como a de Mark Harris de O Homem do Fundo do Mar, foram trocadas.

Com o fim da greve e não tendo alcançado seus objetivos, alguns dubladores tentaram realizar um trabalho que permitisse colocar em prática as exigências estabelecidas na greve. Assim, fundaram a primeira cooperativa de artistas e técnicos. A Cooperativa Mista de Artistas e Técnicos do Estado de São Paulo – Com-Art foi criada em 1978 por dubladores e técnicos, sendo responsável por vários trabalhos gravados e veiculados pela TVs, atual SBT. Algum dos trabalhos mais conhecidos pelo público foram às séries Spectreman e O Menino e o Gigante, bem como o filme Abutres Têm Fome (com Clint Eastwood). “A Com-Art não tinha nada para dar certo”. Conta Francisco José, “eu, particularmente, não conheço nenhum artista que raciocine como executivo de empresa. Nós aguentamos por 5 anos, pelo menos tentamos”.

No Rio de Janeiro o final da greve de 1978 resultou no retorno gradual de 80% dos profissionais, sendo que o restante não retornou ao trabalho. Os atores que foram demitidos ou recusaram-se a voltar, também fundaram no Rio a Cooperativa Mista de Atores e Técnicos – Combate. A empresa durou cerca de 6 anos, considerando-se o fator de existir juridicamente por 10 anos como nos contou um de seus fundadores Luiz Manoel. “Na Combate trabalharam 32 profissionais entre artistas e técnicos, que saíram da Herbert Richers. Eu era o vice-presidente”.

A empresa tinha como objetivo fundar seu próprio estúdio, mas não conseguiram realizar este intento, resultando na locação dos estúdios da Peri Filmes para realizar seus trabalhos. Em virtude de não ter condições de alcançar um preço competitivo com o do mercado na época, a empresa fechou.

Nos anos 80 a dublagem carioca era constituída por Herbert Richers, Peri Filmes, Telecine e pela recém-formada Delart. A Peri, que já havia fechado na década de 60 e retornado na década de 70, declinou culminando com seu fechamento definitivo nesta década. A Telecine, por sua vez, evoluiu, mas sofreu uma divisão da qual originou a Cinevídeo, fundada por Alberto Elias, a qual passou a funcionar nas antigas instalações da Telecine, que por sua vez, mudou-se para outro local. “Na década de 90 houve uma revolução técnica, com isso, surgiram profissionais bons e ruins, surgiu uma falta de qualidade, da parte técnica e de tradução, que é ruim, conta Dário de Castro, a voz do pai de Blossom”.

OS AVANÇOS TÉCNICOS DA DUBLAGEM

Nos primórdios da dublagem no Brasil, esta era feita de uma forma muito precária, com equipamentos rudimentares e em um sistema de dublagem que desgastava bastante o ator, pois este somente estaria liberado do trabalho quando acabasse. Antes um dublador recebia um valor por mês para dublar um filme / série enquanto que, hoje, recebe por hora, sendo que o dublador a casa hora deverá fazer 20 loops ou anéis. “Um anel são 20 segundos de cena, cada dublador ganha 20 anéis por hora, tem dublador que é rápido faz mais”. Conta Angélica Santos do estúdio Álamo. “Hoje eu procurei, dentro do meu trabalho na Álamo, diminuir isso, ele faz, em geral, só os 20 anéis”.


Outro avanço técnico é que o dublador não precisa mais gravar com todo o elenco como acontecia antigamente, o que geralmente prolongava mais o trabalho, pois caso um errasse ou perdesse sua entrada, todo o trabalho tinha que ser refeito. “Antes tinha que estar todo mundo junto”. Conta Rodney Gomes. “Por exemplo, numa cena do seriado Batman em que ele contracenava com o Robin e o Pinguim, tinham que estar gravando ao mesmo tempo eu (Robin), o Gervásio Marques (Batman) e o Borges de Barros (Pinguim). Todos dividíamos o mesmo microfone”. Segundo Antônio Paladino, proprietário da Marshmellow, a gravação, hoje, é feita em 16 pistas. “Por isso, fazemos o trabalho dos dubladores em separado, podendo com isso, coletar melhor a voz de cada dublador que é liberado apenas quando o trabalho estiver bem feito”.

Segundo Luiz Manoel, proprietário da Sincrovídeo, os avanços técnicos como a utilização do vídeo, permitiram o surgimento de novas casas e uma maior facilidade no trabalho. A sofisticação da dublagem atual é tamanha que é utilizado pelos estúdios equipamento de gravação digital com o qual a dublagem poderá ser preservada por muitos anos mais que a dublagem antiga, feita era fita magnética que se deteriora com o tempo.

POR QUE DIZEM QUE A DUBLAGEM ANTIGA ERA MELHOR?

Apenas dos avanços técnicos e da maneira como a dublagem era feita ter mudado, muitos acreditam que a dublagem antiga era melhor que a atual e que hoje vivemos a geração sincronismo em razão de o dublador preocupar-se mais em sincronizar sua labial (as suas palavras com o movimento labial do ator) que propriamente interpreta como sempre foi feito. “Não vejo isso assim”. Diz Luiz Manoel. “Acredito que se pode sair sincronização com interpretação”. Já Zinóvia Saliveros, gerente da Telecine acredita que houve de fato uma queda na qualidade do trabalho se comparado com antigamente: “Tem gente que faz 20 loops em uma hora, alguns fazem 40 numa hora, o resultado final cai”.

“Para dublar tem que ser ator”, diz Sérgio De La Riva, da Delart, “nós exigimos isso aqui. Muitos sabem sincronizar, mas cabe ao diretor-artístico corrigir para que se evite só sincronismo. Na Delart tem que sair com qualidade. Hoje qualquer um pode criar um estúdio, devido à facilidade técnica. Basta ter uma D.ª, um V.h.s. e uma sala com som anexo, com isso você tem um estúdio, e com isso, cai a qualidade do produto final. Em 1964, quando meu pai começou, essas casas não teriam sobrevivido. O maior problema, no entanto, é a concorrência desleal e quem perde com essas coisas é o trabalho. A Delart paga o dobro para o tradutor, porque a dublagem começa pela tradução, o diretor também tem que ter conhecimento de inglês, e alguns, não tem esse conhecimento. Então, quando o filme está mal traduzido o diretor não percebe porque não sabe inglês. Aqui os diretores-artísticos são nomes como Pádua Moreira, Telmo de Avelar e Mário Monjardim. Temos uma boa tradução que é entregue para o diretor de dublagem que faz o trabalho fluir. Tudo é gravado em canal separado e isso facilita a escalação de vozes”.

Reafirmando essa necessidade de investimentos no aumento de qualidade está Mauri Ribeiro da Silva, da Dublavídeo. “Nossa empresa tem controle de qualidade em sincronismo e tradução. Tem investimento muito grande setor. Só liberamos o filme através deste controle para manter ou melhorar está qualidade. Investimento muito para melhorar este setor de dublagem da ‘casa”. Se faz a dublagem hoje, não só financeiramente, mas por amor e arte, chegando ao ponto de quando não esta boa, com vozes inadequadas, gastamos dinheiro para melhorar”.

Infelizmente existe na dublagem uma renovação muito pequena de vozes, o que vem afetar a sua qualidade como nos fala Angélica Santos, coordenadora de dublagem da Álamo e a voz de Kevin Arnold de Anos Incríveis. “Existem poucos dubladores capacitados para interpretar personagens principais. A renovação no meio é muito pequena. Daqueles que entraram comigo só eu fiquei. A possibilidade de contracenar com o outro dublador ajuda no desempenho, quando entrei, tive esta oportunidade, e poucos conseguem atuar sozinhos. O público, por sua vez, só reclama para falar da dublagem de um modo geral, e não, para apontar problemas específicos, de forma construtiva, os quais poderiam ser corrigidos se houvesse suporte do público. As emissoras, distribuidoras e locadoras deveriam ter dubladores para checar a qualidade do trabalho como a Disney e a Rede Globo têm. É isso que ajuda a definir um bom trabalho”.

Na opinião de Nelson Machado se houve uma queda não é em função da sincronização, mas em função do tempo. O público tem pressa de ver o próximo episódio de sua série favorita e cobra da emissora que sobra da distribuidora que cobra da dubladora que cobra do tradutor e do dublador que traduz e grava mais rápido e, com isso, a qualidade final fica prejudicada. “O que faz cair a qualidade é fazer tudo rápido. Hoje existe pouco tempo para finalizar uma dublagem porque temos que dublar, entregar e cobrar rápido. Atualmente está se falando em encontrar alternativas”.

A regularização da profissão contribuiria, e muito, com a qualidade final do trabalho, bem como o apoio e a vigilância do público junto às emissoras, em especial por assinatura, para algumas das quais, a dublagem é eliminada para se poupar dinheiro. Para tanto, alegamos que “pesquisas” apontam que a maioria do público prefere a legenda, Enquanto isso, a lei que obriga a dublagem existe e o projeto de lei da deputada Cidinha Campos, o qual obriga dar créditos aos dubladores, é ignorado.

O Fato é que as emissoras, em especial por assinatura, não têm interesse em ver o trabalho de dublagem valorizado, muito menos por lei, pois isto acarretaria em aumento de despesas, entre elas, a dublagem de sua programação. Para se ter uma ideia do descaso de algumas emissoras por assinatura com relação a dublagem, no final do ano passado, tentávamos descobrir o nome dos dubladores de uma nova série que deverá estrear em breve. Para nossa surpresa, fomos informados que o canal a cabo, dono da série havia proibido a divulgação da lista dos dubladores. Entramos em contato com o canal e perguntamos ao responsável pela proibição e o motivo de tal atitude. Sua resposta: “Os filmes são importantes, não a dublagem”.

Esta matéria continua na próxima edição.

Agradecimentos à Carlos Amorim pelo Material.

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