quinta-feira, 26 de abril de 2018

Artigos de Revistas - Carlos Leão

Entrevista com Carlos Leão para a edição N° 32 de Dezembro de 2000 / Janeiro de 2001 da revista TV Séries, falando sobre sua longa carreira de dublador e rádio-ator.


Rádio-ator, dublador, escrito, diretor, tradutor, Carlos Leão trabalhou na rádio Gaúcha de Porto Alegre, e Nacional do Rio de Janeiro, além de ter feito dublagem de séries famosas como Dr. Kildare, Meus Filhos e Eu, A Caravana e O Fugitivo. Também foi a voz de vários atores famosos do cinema. A seguir, entrevista com Carlos Leão (Cl), para a revista TV Séries (TVs).

TVs: Quem fazia o Dr. Richard Kimble?

Cl: Era o Carlos Alberto Mendonça, que também é médico, Mas ele teve muito trabalho para pegar o movimento labial, do David Janssen, porque antes de falar o ator fazia um movimento labial, sem emitir nenhum som. O Carlinhos não sabia disso e saía falando. Daí, o movimento labial não batia com o som. Tinha que repetir tudo de novo, juntamente com os demais porque não dava para gravar personagens diferentes, da mesma cena, em faixas de áudio diferentes, para depois mixar, como é feito hoje em dia. Até o Carlinhos percebeu o tique do David Jansen, “ahá, agora eu te peguei”! Tem uma coisa que até hoje eu gozo do Carlinhos. Tinha uma cena que aparecia o Kimble, e mais dois ou três, bem de longe. Não dava para ver quem era quem porque ainda por cima estavam de chapéu. E o Carlinhos estava tentando descobrir qual deles era ao Kimble para poder acompanha-lo, não perder ele de vista. Daí, alguém disse: “Ah, Carlinhos, o Kimble é aquele de chapéu onbongo”. Pra quê?! Até hoje quando eu ligo pra ele, pergunto: “e aí Carlinhos, estás de chapéu onbongo”?

TVs: Quais outros trabalhos que você fez?

Cl: O Dr. Kildare. Eu fiz o Raymond Massey, que na série chamava-se Dr. Gillespie; era o dono do hospital. Em Laredo, eu fazia o Capitão Parmalee (que eu nem me lembraria se vocês não tivessem mencionado). Fiz o Gerard em O Fugitivo e também teve Meus Filhos e Eu. Nesta eu fazia o pai, interpretado pelo Fred McMurray. Um dos filhos era o Rodney Gomes, o outro, se não me engano, era o Domingos Martins, que faleceu em um acidente de carro, muito moço ainda. O filho caçula era dublado por um rapaz, não lembro o nome, que faz o filme brasileiro Vidas Secas, ele trabalhava na rádio Nacional. Fiz uma série com o James Garner que eu não me lembro do nome, era no início dos anos 60, mas não era faroeste. Fiz a narração do programa Os Maiores Zoológicos do Mundo. Me lembro do último episódio que fiz para esta série. Era sobre a Antuérpia. Lembro porque uma semana depois eu fui para a Europa, assistir a Copa do Mundo na Alemanha, em 1974. Fui para Bruxelas para passar, mas não gostei muito de lá. Fui para a estação de trem para viajar até Amsterdã. Olhei os itinerários e vi: Antuérpia. Ficava 20 minutos de distância, ou algo assim. Então resolvi trocar minha passagem para poder conhecer o zoológico da Antuérpia que era retratado no último episódio da série que narrei.

TVs: Você se lembra de algum desenho que tenha feito?


Cl: Sim, na Cinesom fiz o desenho Dr. Zen. Todo mundo tinha pavor de dublar desenho. Tinha uma colega que chegava a passar mal do estômago quando era escalada para dublar desenho. Quando o Dr. Zen chegou, o dono da empresa, mandou todos que trabalhavam na casa fazer teste para os personagens. Eu fui e fiz uma voz bem diferente para não reconhecerem que era eu. No dia seguinte me disseram que eu tinha sido escolhido. Aí tive que pedir para ouvir meu teste porque não me lembrava mais a voz que eu tinha usado.

TVs: Qual o trabalho de dublagem que você mais gostou de fazer?

Cl: O Dia em Que a Terra Parou. Eu fiz o Michael Reiner. Também gostei de Como Era Verde o Meu Vale, fiz o Walter Pidgeon. Agora, o ator mais difícil foi o Ray Milland no O Farrapo Humano. Fiquei com a garganta na miséria. Ele era um alcoólatra que sofria de alucinações e quando isto acontecia, ele gritava, quebrava coisas... Este vou te contar...

TVs: Qual foi seu primeiro trabalho em filmes para o cinema?

Cl: Foi O Malabarista, com Kirk Douglas. Eu fui escolhido para este filme, o que significava que eu não poderia dublar, nem sequer fazer testes, dos próximos 20 filmes, para não haver repetição de vozes. Depois, eu fui escalado para a série A Caravana, direção do Roberto Mendes. Enquanto trabalhava neste programa, eu fui chamado para fazer um teste para a voz do Charlton Heston, mas eu tinha que entrar de fininho e não podia mencionar que eu estivera no Malabarista, porque ainda não tinha completado a lista de 20 filmes. Eu fui chamado porque os caras que estavam selecionando as vozes não estavam gostando de nenhuma e a empresa já não tinha mais ninguém para testar. Fui lá, fiz o teste e fui escolhido. A uma certa altura um deles me disse”eu to conhecendo a sua voz”. Aí eu engrossei a voz “a minha voz?” Não, não”, achando que ele tava me reconhecendo do filme. Aí ele continuou: “o senhor não é o Dr. Gillespie no Dr. Kildare?” Bom, fiquei aliviado, “sim, sim, exatamente, sou sim”. E assim eu fiz o Charlton Heston em uma comédia militar que eu não lembro o nome.

TVs: Que outros atores famosos você dublou?

Cl: Eu fiz o Spencer Tracy em O Velho e o Mar. Todo o filme era só ele e um garotinho, feito pelo Henrique Ogalla. Naquela época, o Arthur da Távola tinha uma coluna no jornal O Globo e fez uma matéria especial falando da dublagem deste filme. Toda a matéria elogiando o trabalho que foi feito. Não mencionou o nome de nenhum dublador, ele não sabia quem eram, mas elogiou muito. Fiz o Gary Cooper, quando ele era mais velho. Quando era novo, ele foi dublado pelo Carlos Marques, um negro de Conselheiro de Lafaiette. Em 1968, fiz o Henry Fonda em Forte Apache, na AIC de São Paulo. Dublei o Gregory Peck em dois filmes: Céu Amarelo e As Neves do Kilimanjaro. Dublei muitos filmes do Cary Grant, diziam que a minha voz era a mais parecida com a do ator. Um dos filmes que me lembro de ter feito com ele é Intriga Internacional. Também fiz o Charles Boyer, o Clifton Webb, no filme Titanic de 1953, que a TV a cabo ta passando com legenda. Tinham Dana Andrews, Walter Pidgeon e o Ricardo Montalban, que dublei no filme da Ilha da Fantasia, só no longa metragem, porque a série chegou um ano depois, quando eu estava contratado pela TV Cinesom e a série foi entregue à Herbert Richers. Eu não quis fazer sujeira. Então o personagem foi entregue ao Darcy Pedrosa.

TVs: Mas o dublador trabalha em duas casas ao mesmo tempo.

Cl: Sim, mas naquela época, estava acontecendo uma briga na dublagem porque todo mundo queria carteira assinada. Depois da greve aqueles que conseguiram assinar contratos e carteira foram considerados “vermes da dublagem”; teve até matérias negativas nos jornais e revistas. Eu era um deles, porque tinha assinado contrato com a TV Cinesom, que na época tinha sido comprada do Victor Berbara pelo Hélio Brasil Porto. Então eu não quis fazer sujeira, assinando contrato com uma casa e trabalhando em outra. Por isso, quem dublou a série foi o Darcy Pedrosa. Durante a greve, a Dina Stat, gente muito boa, conseguiu que um supermercado de Niterói doasse comida para os dubladores grevistas. Eu fui com ela para ajudar a carregar o carro. A Dina Staf nunca dublou, mas se preocupava com os colegas artistas. Pura solidariedade. Existem excelentes caráteres neste meio artístico, por exemplo: Ronnie Von, Osmar Prato, o falecido César Ladeira, o Carlos Gonzaga, o maior de todos. Tinham atores de televisão que trabalhavam na dublagem, como a Natália Timberg, o Cláudio Marzo, no tempo em que ele vivia com a Norma Blum (ela costumava ir dublar usando chinelos), o Paulo Gracindo, muito boa gente, narrava a série Histórias do Velho Oeste. Mas o Paulo tinha um problema, não podia usar óculos bifocal. Então ele tinha dois. Ele ficava trocando o óculos para enxergar de longe e de perto. Então, quando ele dublava, tinha que usar o óculos para enxergam de perto e, aí, não conseguia visualizar bem a imagem na tela. Então, enquanto ele lia, ficava alguém do lado dele avisando de suas entradas. Foi por isso que ele só pôde dublar uma série. Foi nessa época que um edifício, que ficava ao lado do estúdio, na rua Senador Campos, pegou fogo um dia, 20 minutos depois que saí. As chamas passaram para o prédio do estúdio. Morreu muita gente. O Roberto Mendes conseguiu escapar passando de um edifício a outro por uma escada colocada no teto da rádio. Na Praça Mauá, dava para ver o fogo.

TVs: Você chegou a trabalhar na televisão?

Cl: Fiz a novela A Patota, na rede Globo, onde interpretei o comandante do Corpo de Bombeiros. Só para vocês terem uma ideia de como é feito uma novela. A primeira parte da última cena que eu tinha de gravar foi feita às 15 horas no Alto da Boa Vista. A segunda, eu gravei às 19h30 e a terceira, à 1h30 da madrugada descendo de um helicóptero no meio do mato, cheio de marimbondo e os contra-regras jogando repelentes. Tinha uma atriz, não me lembro se era a Dinah Sfat, foi atacada pelos marimbondos. Nessa época, 1968 ou 69, eram feitas novelas para rádio que pegava no interior de São Paulo, onde não eram transmitidos os sinais da televisão, ainda. Eu gravei várias novelas com o Rodolfo Maya, para o rádio. Na época, a Guta, que agora é diretora de elenco da Rede Globo, queria que eu me tornasse um novo galã, no lugar do Sérgio Cardoso, que tinha morrido. Mas depois da experiência que tive na Patota, não aceitei. Mesmo porque, o salário da Globo não era bom. Tinha vezes que deixava o dinheiro lá porque não valia a pena ir buscar. Eu também fiz um episódio de uma série, lá nos Estados Unidos, fui ator convidado, mas não me lembro do nome. Também fiz o Sítio do Pica-Pau Amarelo, eu era um chefe da máfia. Eu botava um gel no cabelo que deixava ele todo duro e a rapaziada gozava. Nós filmamos a sala do chefe da máfia no edifício do BNDES, que emprestou o local.

TVs: Como foi que você iniciou sua vida artística?

Cl: Eu nasci em Pelotas...mas como dizem no Rio, “eu sou facão”! Eu trabalhei em um banco por um ano e meio, depois fui para a Justiça do Trabalho, isto por volta de 1949. Num domingo, eu vinha da casa da minha noiva, todo vestido de branco, e caiu uma baita chuva. Entrei em uma fruteira para fugir da chuva. Lá dentro estavam o Jorge Chapon, que era o chefe dos locutores de rádio pelotense, e o Maurício Sirotsky, da rádio Gaúcha. Eu era muito amigo do Chapon e ele me convidou para conversar. Aí ele me disse que estavam selecionando locutores e me perguntou se eu não queria fazer. Só precisaria apresentar um diploma do curso ginasial. Mas eu não estava interessado, mesmo porque, era muito longe. Mas o Jorge me inscreveu mesmo assim. Então eu fui, mas na gozação. Fiz o teste, fui embora e nem liguei de volta para saber o resultado. No dia 30 de Dezembro, a rádio me liga dizendo que eu começaria a trabalhar no dia 1° de Janeiro (de 1950). Eu tinha uns 26 anos. Trabalhei na Pelotense até que uma amiga de uma prima minha, que tinha trabalhado na Rádio Nacional do Rio, e estava para lançar o programa Somos Todos Irmãos, da Cruz Vermelha, em Pelotas, me chamou para escrever os 27 programas. Eles eram feitos para pedir ajuda das pessoas, fosse para cadeira de rodas ou remédios. Mas este pedido de ajuda era feito em forma de dramaturgia, um rádio-teatro. Eu fiz os textos, dirigi e arranjei os atores: o Hélio Moreira da Silva, Cláudio Martins, Laurinha Borguetti e outros. Até parecia que eu entendia alguma coisa de direção, mas eu dirigia. De vez em quando eu botava um bonezinho para as pessoas acharem que eu sabia o que tava fazendo. Daí, eu resolvi buscar uma novela da Rádio Nacional. Falei com o Silvio Tavares de Oliveira, que era o diretor artístico, que concordou desde que eu ficasse responsável em contratar o elenco, por quem eu era responsável pelo salário. Fiz o rádio-teatro de Pelotas com 27 novelas, atuação e direção.

TVs: E quando foi que você saiu de Pelotas.

Cl: Em 1953, eu fui para Porto Alegre para assistir um filme, que não chegava em Pelotas. Depois, fui passear pela Praça de Alfândega e encontro um rapaz, chamado João Oliveira, que fazia publicidade, e ia seguido para Pelotas, onde fizemos amizade. Ele me perguntou o que eu esta fazendo, eu disse que estava entrando de férias, e ele disse, "não, você vai trabalhar". Ele me levou para a Rádio Gaúcha que na época era dirigida pelo Marinho Esperança; ele tinha demitido um locutor e, em consideração ao amigo, todos os outros funcionários tinham se demitido também. Então, o lugar tava uma bagunça. Para se ter ideia, tinha um discotecário na locução. Fui contratado na hora, junto com o Celestino Venezuela e outros. Daí eu resolvi sair de Pelotas e ir para Porto Alegre. Fiquei na Gaúcha por um ano. Quando, em 1956 (na verdade 1957), o Mendes Ribeiro, também da Gaúcha, foi convidado para dirigir a Rádio Guaíba, levou com ele o Osmar Mennetti (já falecido), que era técnico, e a mim, como locutor. Eu fui porque ia ganhar o dobro do que estava ganhando. Como naquela época minha filha já estava com um ano, aceitei. Mas eu tava acostumado ao trabalho da Gaúcha onde eu apresentava um programa aos domingos que trazia personalidade de outros estados; fazia um programa de auditório e de repente eu tô na Guaíba que não tinha nada disso. Neste mês o Maurício Sirotsky, da Gaúcha, se associou ao Arnaldo Frederico, presidente da Rádio Nacional do Rio. Um dia, tô na Praça da Alfândega e encontro o Maurício que me pergunta como vão as coisas e diz que se eu quisesse, poderia voltar à Gaúcha. No dia seguinte, o Mendes Ribeiro me chama e pergunta o que eu estou achando do meu trabalho na Guaíba. Aí, eu já percebi que os dois tinham conversado. Então, o Mendes me disse que era meu amigo e se eu quisesse voltar para a Gaúcha, ele rasgava meu contrato na hora e me liberava. Eu fui falar com o Maurício que dobrou o salário que eu tinha na Guaíba. Meu contrato foi matéria de jornal com o título "O Locutor Mais Bem Pago do Rio Grande do Sul". Fiquei lá até 1960.

TVs: Depois você foi para a Rádio Nacional?

Cl: Minha ida para a Nacional foi sem planejar, também. Tinha o Walter Ferreira, medalhão da época, que tinha sido contratado pela Nacional, mas só pensava em voltar para o Rio Grande do Sul. Depois de 4 anos, ele voltou. A Nacional tinha lançado um programa cristão, Romance da Eternidade. Em 1960, a Gaúcha resolveu transmitir o programa e mandar a mim e outros colegas, até o Rio de Janeiro. Quando soube disso, o Ferreira me pediu que levasse um disco para o Oduvaldo Vianna, de quem ele havia emprestado. Quando cheguei lá, ele tava bebendo com amigos e me chamou para me juntar à eles. Conversa vai , conversa vem, o Vianna me convida para trabalhar na Nacional, onde ele era diretor. Na época, entrar na Nacional era muito difícil. Ele marcou um horário para o dia seguinte e era falar com o Arthur Floriano, que era diretor artístico. Mas eu achei que ele tava bêbado e nem ia se lembrar de nada. O amigo que estava comigo me encheu tanto que eu acabei indo. Quando cheguei lá, eles estavam me esperando. Fui contratado e fiquei fazendo só rádio-teatro até 1978, quando fui nomeado por Brasília, diretor de rádio-teatro. Em 1987, o rádio-teatro parou de ser gravado. Daí eu comecei a fazer locução de notícias. Tinha um programa especial da Embaixada Americana, feito pela César Ladeira e o José Américo, Um Mundo em Março. Quando José foi para os Estados Unidos, eles me chamaram para substituí-lo. De repente eu tava ao lado do grande César Ladeira!

TVs: Quando foi que você entrou para a dublagem?

Cl: Quem me levou para a dublagem foi o Milton Rangel e o José Américo, que dois anos depois foi para Londres e nunca mais voltou. Eu comecei a dublar em 1960. Eu tinha um amigo que era dublador e ator de teatro, Guilherme Dickens (Diecken), de origem alemã. Ele trabalhou em algumas séries e depois foi embora para a Alemanha. Nós nunca perdemos contato. Ele foi para ficar 15 dias, mas conheceu uma alemã, casou e ficou por lá. Em 1974, quando eu fui para a Alemanha assistir a Copa, eu me encontrei com ele, que me convidou para narrar um disco infantil. Ele marcou a gravação das 13h30 até 18h para fazer doze faixas. Precisam ver a diferença de tratamento entre dublador alemão e brasileiro! Logo que cheguei, me ofereceram balas, de tudo quanto é espécie, para a garganta. Gravei uma faixa só, para narração, não era nem interpretação de personagem, eles pararam para ouvir como tinha ficado. Enquanto isso, veio um garçom servindo chocolate, café e leite. Em três horas eu terminei as 12 faixas. O alemão se apaixonou por mim! Ficou impressionado pela rapidez e mandou me pagar um valor maior daquele que tinha sido combinado e ainda me ofereceu 8.500 marcos para ficar trabalhando lá. Mas eu tinha meu emprego no Brasil, na rádio Nacional, minha família, meus amigos. Acabei voltando.

TVs: Você também foi tradutor de filmes e séries para a dublagem. Soubemos que várias vezes ocorria um problema: alguns filmes ou episódios chegavam ao Brasil sem roteiro escrito em inglês e o tradutor precisava tirar os diálogos "de ouvido". Quais outros problemas o tradutor sofria para fazer seu trabalho?

Cl: Geralmente, vinha o roteiro em inglês, que uma pessoa traduzia, depois entregava o texto em português para o diretor. Um dia, eu estava traduzindo um filme com o Charles Boyer e, assistindo à TV, a Globo anunciou a exibição do filme para daqui a três dias. Eu me apavorei porque ainda estava traduzindo o dito cujo. Eu liguei para a casa de dublagem, mas eles mandaram que eu entregasse o texto naquele dia para que os atores pudessem gravar no dia seguinte e a mixagem ser feita na quinta quando o filme seria exibido. Não é fácil. Para traduzi, você tem que assistir o filme primeiro, marcar as reações dos personagens e fazer com que o texto em português fique coerente e fluente, ao mesmo tempo que tem de acompanhar o movimento labial dos atores. Depois, é entregue ao diretor que assiste o filme acompanhando o texto em português e marcando cada pausa de falar, que se tornam loops enumerados (porque esses pedacinhos da fita faziam um barulhinho: loop, loop). O filme e a marcação eram entregues ao cortador que tinha de separar cada pedaço do filme em loops, cortando o celuloide (filme) e o magnético (áudio) igual para que ficassem sincronizados; depois os dubladores gravavam e aí, o filme era entregue ao montador que tinha de pôr imagem e som na ordem e sincronizados.

TVs: Você ficou na dublagem até que ano?

Cl: Parei cinco anos antes de me aposentar, no início de década de 90. Trabalhava de madrugada, vários dias seguidos, muitas vezes não dava tempo de almoçar ou jantar; mas eu gostava de dublar. Apesar de ganhar bem na Rádio Nacional, tinha meses que eu ganhava mais como dublador. A dublagem melhorou muito daqueles anos pra cá. Já fui convidado pelo meu amigo Rodney Gomes para voltar a dublar, porque um dos maiores problemas na profissão é encontrar vozes "sessentonas", que dublem homens mais velho. Nós éramos em cinco: Eu, o Magalhães Graça, o Antonio Patiño, o Orlando Drummond e o Gualter de França. O França e o Magalhães morreram, eu parei. Ficaram o Antônio e o Drummond. Há alguns anos, a esposa do Antônio morreu; ele ficou meio abalado e diminuiu a carga de trabalha. Meses depois, a filha dele morreu em um acidente. Aí ele pirou por completo e sumiu. Ninguém sabe dele. Então, só está o Drummond fazendo vozes de velhos e as empresas estão reclamando que é sempre a mesma voz. Porque quem entra para a dublagem, são jovens e muitos que tem mais idade, ainda é inexperiente para segurar um papel principal ou que apareça muito. Outro dia eu estava assistindo a um filme, e ouvi a minha voz fazendo o Michael Reiner, em Desirée - o Amor de Napoleão. Foi um filme que eu dirigi e não dublei o principal porque eu estava dirigindo; tinha uma regra que não permitia quem dirigisse estrelar o filme. Então, muitos dos dubladores antigos que ficaram na dublagem, hoje são diretores e suas vozes experientes, que poderiam dublar atores mais velhos, não são aproveitadas.

PS: Um adendo ao comentário de Carlos Leão sobre Antônio Patiño. A filha de Antônio não veio a falecer meses depois, e muito menos de acidente de carro, ela faleceu alguns anos depois, no ano de 2000, vítima de câncer.


Durante nossa conversa, outras histórias foram contadas, no entanto, o espaço é curto para todas elas. Mas esperamos, com está entrevista, ter conseguido trazer ao público mais um pedaço da história da dublagem (e do rádio e da televisão) brasileira.

Fernanda Furquim e Marta Machado.


Agradecimentos à Carlos Amorim pelo Material.

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