Entrevista
feita a Cleonir dos Santos pela Revista Animação
no ano de 1995 contando um pouco de sua carreira,
acompanhem.
| |||
Ouvindo a Voz de Speed Racer
Todo
mundo conhece Go Mifune (Speed Racer), Sanshirou
Kurenai (O Judoka), Ryuusuke Domon, da Yamato e o
piloto do Pirata do Espaço, Jou Kaisaka. E
Talvez não tenha parado para pensar que eles tem
uma coisa em comum, tirando o fato de serem
japoneses (sem maldade, por favor) em acetato.
Todos
foram dublados por Cleonir dos Santos, que, com a
mesma voz de rapazinho que parece ter nos visto crescer,
deu esta entrevista no início do ano para a
Animação. Nela, ainda tive a sorte de conhecer a
voz brasileira de Sharon Stone (Ou Julia Robert,
Se preferirem, Michelle Pfiffer), Vera Miranda,
que foi, nas palavras do próprio Cleonir,
"um doce para nós".
Tenho
50 anos, comecei com 7, fazendo rádioteatro nas
Emissoras Associadas na época, Rádio Tamoio e
Rádio Tupi. Depois, quando veio a TV Tupi eu já
estava nos programas de estréia era o
"garoto prodígio". Fiz novelas,
teleteatro, programas infantis. Tinha um, As
Aventuras do Saci Pererê, do Ziraldo, onde eu era
o Saci e a Sueli Franco fazia uma boneca que
gostava dele. Sempre escalado para papéis de
destaque, porque na época eu era a única
criança na televisão. Inclusive, estou no livro
Eu no Teatro, do falecido Carlos Durval, onde ele
conta a sua vida na televisão e no teatro, fala
sobre colegas e cita um fato ocorrido comigo no
Cristo Redentor: rodávamos o Câmera Um, e nos
ensaios ele ficava sobre a murada, querendo se
jogar. Eu era um garoto paranormal que saía
correndo do Cristo para impedir. Mas no impacto de
puxá-lo eu fui tão violento, que quase que ele
foi. Um horror! No fim, tive de dosar a corrida...
Depois
fui para o teatro. Eu tinha 14 anos quando fiz Os
Inocentes, com Dulcina de Moraes, um enorme
sucesso que rodou o país; trabalhei com Henriette
Morineau, Vilaré, Eva Todor; fora teatro
infantil, que eu sempre adorei e estou lá sempre
que me chamarem.
Quando
começou a dublagem no Brasil, eu fui um dos
primeiros a fazer. Foi muita coisa antes de Speed
Racer.
Quando
bati o olho no desenho, antes de dublar, fiquei
vidrado. Os primeiros episódios eram em japonês,
o que foi uma grande diferença para nós, pois a
maioria dos filmes é em inglês e há um certo
tempo na tradução para que haja um equilíbrio
de palavras entre as versões. Já o japonês é
muito mais difícil (porque a tradução não
acompanha o ritmo do falar deles). Então, a gente
pegava a síntese da história e adaptava dentro
das bocas dos nossos bonecos. Você sabe como é
feito o manejo de desenho. O Speed falava algo e a
boca ficava aberta; mais continuava falando. Porque
em dublagem é tradicional dizer isso: não deixe
o seu boneco de boca aberta sem uma palavra. Pois
dá a impressão que você não dublou, esqueceu.
Depois
veio em inglês, já facilitando mais. E foi um
sucesso estrondoso. Inclusive, o merchandising
lançou o carrinho Mach 5 nas lojas, que era muito
procurado. Há rapazes da nova geração de
dublagem que, ao mostrar aquela sua revista sobre Speed Racer, disseram ter visto e adorado quando
pequenos. Uma colega nossa até cantou a música
toda, direitinho. E não sabiam que eu era o
dublador.
Gostava
muito de fazer o personagem. Era uma vibração
total dentro do estúdio quando tinha Speed Racer. Quase
todos os dias, pois vinha em grande quantidade. E
uma coisa: era muito difícil eu assistir aos
filmes que eu dublava, porque nunca coincidia
estar em casa para ver. E o Speed eu fazia questão
de ver, até mesmo na montagem no estúdio, pois
era vidrado no desenho. Ainda sou...
Tinha,
além disso, o Mickey e o Donald, de quem também
fiz as vozes. Houve, aliás, um período em que eu
fiquei afastado, aí colocaram não me lembro quem
para o Donald, mas não dava para entender o que
se dizia. Ficava mais como ruídos do Pato e não
fala. Então, distribuía-se a fala dele para os
outros personagens (traduzirem para o
público). Já o meu não. Dava-se para
entender. Como o Mickey.
Mas
o Mickey não era o dublador Luiz Manoel?
No
início, sim. Mais tarde ele ficou para um lado,
dirigindo e administrando em outros estúdios, e o
Mickey acabou ficando comigo, até hoje. Como
também foi o Luís quem fez o Fred. Quando o Scooby Doo chegou, em 1971, não tinha o Scooby
Loo; depois que o Luís também deixou o Fred, eu
fiquei com ele até começar a série só com
Salsicha, Scooby Doo e Scooby Loo.
Assim
como eu comecei garoto na Tupi, Luiz Manoel também começou garoto na Rádio Nacional. Éramos,
vamos dizer assim, "rivais". Ele era o
garoto da Nacional e eu, garoto da Tupi. Mas nunca
fomos rivais em nada.
E
seus outros trabalhos?
O
Garotinho de O Campeão. Todo mundo brigava, achava
impossível que eu tivesse feito aquele
garoto. Havia colegas que perguntavam "Como é
que vocês conseguem um menino tão bom
ator?". É porque as minhas crianças são
muito "puras". A Vera faz crianças
maravilhosas também. Mas agora estamos proibidos
de fazer voz de criança. A Globo determinou que
criança tem de ser feita por criança. Então,
deixa pra lá...
|
|||
Em
Cabaré, o Joel Grey não parava de falar e ainda
falava em várias línguas que eu tinha de
reproduzir. Foi um filme jovem.
As
vezes, na rua, eu falava alguma coisa e
reconheciam a voz do Speed. Olha, era uma
epidemia boa.
Vera
Miranda -
Como a outra que chegou no elevador
em Nova Iorque, e disseram: "Eu conheço a sua
voz.".
É
Verdade! Uma colega nossa. Porque a voz marca
muito. Vendo o desenho, você grava o boneco, mais
também grava a voz. Agora, eu não vou sair por aí
falando como o garoto d'O Campeão. É pestalozzi,
né?
|
|||
O Cleonir também
fez o Pimentinha Ele me contou uma história muito
interessante, nas nossas conversas pelo telefone,
que eu gostaria que ele repetisse para os leitores.
Eu estava dublando
recentemente o Pimentinha que já tinha sido dublado
e depois ficou um bom tempo sem virem filmes
novos. Aí, tinha chegado uma pilha de Pimentinha
para fazer.
Estou
eu no estúdio, quando entra a Helena (gerente da
Herbert) com um casal. Eu não conhecia os
dois. Quando paramos de gravar, ela falou:
"Cleonir, ele quer conhecer você.". E eu
sem saber quem era, né?, Ai vem ele e me abraça:
"Você é o meu filho. Quando eu desenhei o
Pimentinha, imaginei uma voz como a sua. O
personagem é dublado em outras línguas, mas a
sua voz é a voz exata de quando eu desenhei. Ao
ouvir gravada, quis conhecer você.". Ele era
o criador do Pimentinha. A outra moça, uma
americana, era quem selecionava as vozes. E ouvindo
a minha, não teve dúvidas: era a que ele
imaginava. Ele ficou doido e quando veio para o
Brasil, de férias, fez questão de vir ao
estúdio me conhecer. Aquilo para mim foi uma
beleza.
Ouvindo
as dublagens de hoje e comparando ás da década
de 70, a impressão é que havia uma certa
variabilidade de vozes naquela tempo, ao passo que
hoje vemos praticamente a mesma escalação para os
filmes. O que acontece?
Primeiro,
é que surgiram muitos estúdios. Então, os mesmos
que dublam aqui também trabalham em outras casas,
desde que não dificultem o trabalho aqui. A Vera
hoje pode estar dublando um filme na Herbert e
logo mais num outro lugar, com a mesma voz se a
personagem for parecida. Depois quando passa na
televisão, você: "Ué! ontem eu vi um filme
com essa voz, hoje estou vendo outro filme com a
mesma voz.", mas se prestar atenção, é de
outro estúdio. Aqui as atrizes dela são dela,
outra não pode fazer. Às vezes acontece. Não se
reveza muito... Tem muita gente nova fazendo.
Vera
Miranda -
E
olha que renovou muito, hein?
Inclusive, a Globo tem um computador com as vozes
gravadas e é ela quem determina. Se ela disser que
não, porque está repetindo, escolhe outro.
Você
costuma dar conselhos ao pessoal que chega?
Não. Porque
quem vem tem alguma experiência ou de teatro, ou
de cinema, ou de televisão. Havia até bem pouco
tempo uma escolinha de dublagem.
A
pessoa era aprovada e vinha. Mas tem que ter o
registro do Sindicato dos Artistas, que resolveu
assumir os dubladores. Até então, éramos
considerados atores.
Eles
chegam. Se eu estou dentro do estúdio com um
dublador novo, se ele está sentindo dificuldades,
tem o diretor para das as dicas. Quando ele está
um pouco nervoso, a gente ajuda de uma certa
forma, falando baixinho. Há os que aceitam e há
os que não aceitam, extremos, que se acham
super-estrelas. Tanto, que se você falar alguma
coisa, eles passam a te odiar, porque você quis
ajudar. Então, é muito perigoso ajudar, ou
não. Duvido que a Vera vá me odiar por
isso. Agora, não é com todo mundo que a gente
pode fazer. Até os antigos podem ter uma reação
dessas "Cuida do teu trabalho. Me
deixa!". Há colegas que não ligam. O outro do
lado pode estar errando quinhentas vezes que nem é
com eles. Às vezes o colega está doido para ir
embora, pois tem outros compromissos, e fica
nervoso porque o outro não acerta nunca. Ele sabe
que se der um toque vai levar uma resposta
daquelas e se limita a não dizer nada. E fica se
mordendo.
|
|||
Quais os trabalhos que você mais gostou?
É
difícil dizer, porque com a quantidade de
personagens bons que a gente faz, é muito difícil
lembrar. De longas eu citei o Cabaré, eu adorei
fazer o Joel Grey. Tinha uma série, Tempo Quente,
onde fiz o Murray, que vivia conversando com o
computador, enquanto os outros dois amigos dele
viviam saindo, vendo mulheres... Ele falava sem
parar, duas ou três páginas... Eu sofria! Quando
eu terminava, ia beber uma água... Há muitos
filmes que exigem uma carga emotiva muito
grande. E nisso eu faço questão. Pode ser uma
frase, eu quero saber por que aquela frase.
|
|||
Teve
algum personagem que marcou você? Por exemplo, o
Orlando Drummond é conhecido como
"Scooby-Doo" ou "Alf"; o
Márcio Seixas, como "Homem-Pássaro"...
E você?
Nem
tanto. Às vezes me chamam de Daniel-San",
"Mickey", "Scooby-Loo"... Mas
de brincadeira, claro, sem marcar muito.
Você
está participando de alguma série atualmente?
Não. Às
vezes eu participo, mais não como fixo, como
Barrados no Baile... A Última mesmo foi
Pimentinha.
Você
disse que além de dublador trabalhou também em
teatro e TV. Você não fica triste em estar
afastado de ambos?
Completamente.
Ainda mais de teatro, que é a arte fundamental
para um ator. Porque nele você está em contato
direto com o público, você tem que passar a sua
emoção, esquecer que está no palco, mover-se
com a maior naturalidade no cenário, como se ele
fosse uma realidade. Você está vendo o público,
mais você não vê; eu o vejo como se fosse uma
nuvem. Fico completamente integrado. E o teatro te
dá as bases totais para tudo: televisão,
dublagem...
Já
na televisão é tudo feito por pedacinhos. Você
diz a frase e de repente "Corta!", outra
pessoa entra, diz outra e você continua. Ou seja,
você tem de ter um domínio muito grande para
passar a sua emoção, porque é tudo picado. No
teatro, entrou vai até acabar: 1° ato, 2° ato, a
peça. Você vai crescendo. Já na televisão
facilita, porque é tomada. A emoção vai e
vem. Assim como na dublagem.
|
quarta-feira, 20 de março de 2019
Artigos de Revistas - Cleonir dos Santos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário