quarta-feira, 20 de março de 2019

Artigos de Revistas - Cleonir dos Santos

Entrevista feita a Cleonir dos Santos pela Revista Animação no ano de 1995 contando um pouco de sua carreira, acompanhem.

Ouvindo a Voz de Speed Racer

Todo mundo conhece Go Mifune (Speed Racer), Sanshirou Kurenai (O Judoka), Ryuusuke Domon, da Yamato e o piloto do Pirata do Espaço, Jou Kaisaka. E Talvez não tenha parado para pensar que eles tem uma coisa em comum, tirando o fato de serem japoneses (sem maldade, por favor) em acetato.

Todos foram dublados por Cleonir dos Santos, que, com a mesma voz de rapazinho que parece ter nos visto crescer, deu esta entrevista no início do ano para a Animação. Nela, ainda tive a sorte de conhecer a voz brasileira de Sharon Stone (Ou Julia Robert, Se preferirem, Michelle Pfiffer), Vera Miranda, que foi, nas palavras do próprio Cleonir, "um doce para nós".

Tenho 50 anos, comecei com 7, fazendo rádioteatro nas Emissoras Associadas na época, Rádio Tamoio e Rádio Tupi. Depois, quando veio a TV Tupi eu já estava nos programas de estréia era o "garoto prodígio". Fiz novelas, teleteatro, programas infantis. Tinha um, As Aventuras do Saci Pererê, do Ziraldo, onde eu era o Saci e a Sueli Franco fazia uma boneca que gostava dele. Sempre escalado para papéis de destaque, porque na época eu era a única criança na televisão. Inclusive, estou no livro Eu no Teatro, do falecido Carlos Durval, onde ele conta a sua vida na televisão e no teatro, fala sobre colegas e cita um fato ocorrido comigo no Cristo Redentor: rodávamos o Câmera Um, e nos ensaios ele ficava sobre a murada, querendo se jogar. Eu era um garoto paranormal que saía correndo do Cristo para impedir. Mas no impacto de puxá-lo eu fui tão violento, que quase que ele foi. Um horror! No fim, tive de dosar a corrida...

Depois fui para o teatro. Eu tinha 14 anos quando fiz Os Inocentes, com Dulcina de Moraes, um enorme sucesso que rodou o país; trabalhei com Henriette Morineau, Vilaré, Eva Todor; fora teatro infantil, que eu sempre adorei e estou lá sempre que me chamarem.

Quando começou a dublagem no Brasil, eu fui um dos primeiros a fazer. Foi muita coisa antes de Speed Racer.

Quando bati o olho no desenho, antes de dublar, fiquei vidrado. Os primeiros episódios eram em japonês, o que foi uma grande diferença para nós, pois a maioria dos filmes é em inglês e há um certo tempo na tradução para que haja um equilíbrio de palavras entre as versões. Já o japonês é muito mais difícil (porque a tradução não acompanha o ritmo do falar deles). Então, a gente pegava a síntese da história e adaptava dentro das bocas dos nossos bonecos. Você sabe como é feito o manejo de desenho. O Speed falava algo e a boca ficava aberta; mais continuava falando. Porque em dublagem é tradicional dizer isso: não deixe o seu boneco de boca aberta sem uma palavra. Pois dá a impressão que você não dublou, esqueceu.

Depois veio em inglês, já facilitando mais. E foi um sucesso estrondoso. Inclusive, o merchandising lançou o carrinho Mach 5 nas lojas, que era muito procurado. Há rapazes da nova geração de dublagem que, ao mostrar aquela sua revista sobre Speed Racer, disseram ter visto e adorado quando pequenos. Uma colega nossa até cantou a música toda, direitinho. E não sabiam que eu era o dublador.

Gostava muito de fazer o personagem. Era uma vibração total dentro do estúdio quando tinha Speed Racer. Quase todos os dias, pois vinha em grande quantidade. E uma coisa: era muito difícil eu assistir aos filmes que eu dublava, porque nunca coincidia estar em casa para ver. E o Speed eu fazia questão de ver, até mesmo na montagem no estúdio, pois era vidrado no desenho. Ainda sou...

Tinha, além disso, o Mickey e o Donald, de quem também fiz as vozes. Houve, aliás, um período em que eu fiquei afastado, aí colocaram não me lembro quem para o Donald, mas não dava para entender o que se dizia. Ficava mais como ruídos do Pato e não fala. Então, distribuía-se a fala dele para os outros personagens (traduzirem para o público). Já o meu não. Dava-se para entender. Como o Mickey.

Mas o Mickey não era o dublador Luiz Manoel?

No início, sim. Mais tarde ele ficou para um lado, dirigindo e administrando em outros estúdios, e o Mickey acabou ficando comigo, até hoje. Como também foi o Luís quem fez o Fred. Quando o Scooby Doo chegou, em 1971, não tinha o Scooby Loo; depois que o Luís também deixou o Fred, eu fiquei com ele até começar a série só com Salsicha, Scooby Doo e Scooby Loo.

Assim como eu comecei garoto na Tupi, Luiz Manoel também começou garoto na Rádio Nacional. Éramos, vamos dizer assim, "rivais". Ele era o garoto da Nacional e eu, garoto da Tupi. Mas nunca fomos rivais em nada.

E seus outros trabalhos?

O Garotinho de O Campeão. Todo mundo brigava, achava impossível que eu tivesse feito aquele garoto. Havia colegas que perguntavam "Como é que vocês conseguem um menino tão bom ator?". É porque as minhas crianças são muito "puras". A Vera faz crianças maravilhosas também. Mas agora estamos proibidos de fazer voz de criança. A Globo determinou que criança tem de ser feita por criança. Então, deixa pra lá...

Em Cabaré, o Joel Grey não parava de falar e ainda falava em várias línguas que eu tinha de reproduzir. Foi um filme jovem.

As vezes, na rua, eu falava alguma coisa e reconheciam a voz do Speed. Olha, era uma epidemia boa.

Vera Miranda - Como a outra que chegou no elevador em Nova Iorque, e disseram: "Eu conheço a sua voz.".

É Verdade! Uma colega nossa. Porque a voz marca muito. Vendo o desenho, você grava o boneco, mais também grava a voz. Agora, eu não vou sair por aí falando como o garoto d'O Campeão. É pestalozzi, né?

O Cleonir também fez o Pimentinha Ele me contou uma história muito interessante, nas nossas conversas pelo telefone, que eu gostaria que ele repetisse para os leitores.
 
Eu estava dublando recentemente o Pimentinha que já tinha sido dublado e depois ficou um bom tempo sem virem filmes novos. Aí, tinha chegado uma pilha de Pimentinha para fazer.

Estou eu no estúdio, quando entra a Helena (gerente da Herbert) com um casal. Eu não conhecia os dois. Quando paramos de gravar, ela falou: "Cleonir, ele quer conhecer você.". E eu sem saber quem era, né?, Ai vem ele e me abraça: "Você é o meu filho. Quando eu desenhei o Pimentinha, imaginei uma voz como a sua. O personagem é dublado em outras línguas, mas a sua voz é a voz exata de quando eu desenhei. Ao ouvir gravada, quis conhecer você.". Ele era o criador do Pimentinha. A outra moça, uma americana, era quem selecionava as vozes. E ouvindo a minha, não teve dúvidas: era a que ele imaginava. Ele ficou doido e quando veio para o Brasil, de férias, fez questão de vir ao estúdio me conhecer. Aquilo para mim foi uma beleza.

Ouvindo as dublagens de hoje e comparando ás da década de 70, a impressão é que havia uma certa variabilidade de vozes naquela tempo, ao passo que hoje vemos praticamente a mesma escalação para os filmes. O que acontece?

Primeiro, é que surgiram muitos estúdios. Então, os mesmos que dublam aqui também trabalham em outras casas, desde que não dificultem o trabalho aqui. A Vera hoje pode estar dublando um filme na Herbert e logo mais num outro lugar, com a mesma voz se a personagem for parecida. Depois quando passa na televisão, você: "Ué! ontem eu vi um filme com essa voz, hoje estou vendo outro filme com a mesma voz.", mas se prestar atenção, é de outro estúdio. Aqui as atrizes dela são dela, outra não pode fazer. Às vezes acontece. Não se reveza muito... Tem muita gente nova fazendo.

Vera Miranda - E olha que renovou muito, hein? Inclusive, a Globo tem um computador com as vozes gravadas e é ela quem determina. Se ela disser que não, porque está repetindo, escolhe outro.

Você costuma dar conselhos ao pessoal que chega?

Não. Porque quem vem tem alguma experiência ou de teatro, ou de cinema, ou de televisão. Havia até bem pouco tempo uma escolinha de dublagem.

A pessoa era aprovada e vinha. Mas tem que ter o registro do Sindicato dos Artistas, que resolveu assumir os dubladores. Até então, éramos considerados atores.

Eles chegam. Se eu estou dentro do estúdio com um dublador novo, se ele está sentindo dificuldades, tem o diretor para das as dicas. Quando ele está um pouco nervoso, a gente ajuda de uma certa forma, falando baixinho. Há os que aceitam e há os que não aceitam, extremos, que se acham super-estrelas. Tanto, que se você falar alguma coisa, eles passam a te odiar, porque você quis ajudar. Então, é muito perigoso ajudar, ou não. Duvido que a Vera vá me odiar por isso. Agora, não é com todo mundo que a gente pode fazer. Até os antigos podem ter uma reação dessas "Cuida do teu trabalho. Me deixa!". Há colegas que não ligam. O outro do lado pode estar errando quinhentas vezes que nem é com eles. Às vezes o colega está doido para ir embora, pois tem outros compromissos, e fica nervoso porque o outro não acerta nunca. Ele sabe que se der um toque vai levar uma resposta daquelas e se limita a não dizer nada. E fica se mordendo.

Quais os trabalhos que você mais gostou?

É difícil dizer, porque com a quantidade de personagens bons que a gente faz, é muito difícil lembrar. De longas eu citei o Cabaré, eu adorei fazer o Joel Grey. Tinha uma série, Tempo Quente, onde fiz o Murray, que vivia conversando com o computador, enquanto os outros dois amigos dele viviam saindo, vendo mulheres... Ele falava sem parar, duas ou três páginas... Eu sofria! Quando eu terminava, ia beber uma água... Há muitos filmes que exigem uma carga emotiva muito grande. E nisso eu faço questão. Pode ser uma frase, eu quero saber por que aquela frase.

Teve algum personagem que marcou você? Por exemplo, o Orlando Drummond é conhecido como "Scooby-Doo" ou "Alf"; o Márcio Seixas, como "Homem-Pássaro"... E você?

Nem tanto. Às vezes me chamam de Daniel-San", "Mickey", "Scooby-Loo"... Mas de brincadeira, claro, sem marcar muito.

Você está participando de alguma série atualmente?

Não. Às vezes eu participo, mais não como fixo, como Barrados no Baile... A Última mesmo foi Pimentinha.

Você disse que além de dublador trabalhou também em teatro e TV. Você não fica triste em estar afastado de ambos?

Completamente. Ainda mais de teatro, que é a arte fundamental para um ator. Porque nele você está em contato direto com o público, você tem que passar a sua emoção, esquecer que está no palco, mover-se com a maior naturalidade no cenário, como se ele fosse uma realidade. Você está vendo o público, mais você não vê; eu o vejo como se fosse uma nuvem. Fico completamente integrado. E o teatro te dá as bases totais para tudo: televisão, dublagem...

Já na televisão é tudo feito por pedacinhos. Você diz a frase e de repente "Corta!", outra pessoa entra, diz outra e você continua. Ou seja, você tem de ter um domínio muito grande para passar a sua emoção, porque é tudo picado. No teatro, entrou vai até acabar: 1° ato, 2° ato, a peça. Você vai crescendo. Já na televisão facilita, porque é tomada. A emoção vai e vem. Assim como na dublagem.

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