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quarta-feira, 20 de março de 2019

Artigos de Revistas - Silvio Navas

Entrevista a Silvio Navas pela Revista Animação em sua 7ª edição em 1995, contando um pouco e sua carreira, de seus personagens e de suas lutas na dublagem.

De Sílvio Navas pode-se dizer que, como o seu personagem, Deslok, ele é um batalhador.  Por conta disso, foi um "belo período" de 30 anos dublando toda sorte de personagens.  Mas também de recuos.  Honesto, este torcedor sofredor do Santos deu para a Animação a sua verdade dos fatos da dublagem e, claro, contou-nos sobre a sua carreira.
por Marcelo Santarém

Sou oriundo de Santos. Fui para São Paulo em 49 e aos 12 comecei em teatro: Teatro Novos Comediantes, que antecedeu o Oficina, onde aprendi muito do que sei hoje, até a fazer um cenário. Depois, comecei a botar um pezinho dentro da televisão: fui para a TV Excelsior e lá me infiltrei em produção, fazendo assistência, coordenação, quando conheci o Older Cazarré. E ele me convidou a ver uma dublagem na AIC - e eu nem sabia o que era dublagem. Fui, e no dia seguinte fiz o James Mcarthur no Raptado. Foram 152 "anéis" - nós chamamos no Rio de loop -, dividindo as honras com o Hugo de Aquino, que tinha 154.

E aí começaram a me chamar. Nessa época também comecei a desenvolver, um outro trabalho na TV Tupi, dividindo o meu tempo entre ser produtor e fazer dublagem. Dentro em breve, eu estava dirigindo na filial paulista da antiga CineCastro, onde a minha primeira série oficial como diretor foi o Guzula.

Houve uma vez que nós recebemos o desenho e faltava muita coisa. E o original era japonês. Do lado da CineCastro havia uma tinturaria onde morava um família japonesa. Com aquela confusão de coisas faltando, eu fui pedir ajuda ao filho, que sugeriu chamar o pai, que só falava japonês, para explicar para ele e ele, para nós.

Soltamos o filme - ainda era filme naquela época. Aí eu perguntava o que o boneco estava falando, o tintureiro respondia que o pai estava achando muito gozado. E ficou nisso uns 20 minutos, até a hora que eu desisti. Passei o filme e inventei uma estória em cima, pela ação dos bonecos, e fiz um texto e gravamos.

Em 76, eu me transferi para o Rio, começando a trabalhar na Herbert Richers e nas outras empresas da época. Até que comecei a dirigir aqui pela Peri Filmes, depois na Herbert, Telecine, VTI e, agora, Cinevídeo.  
Eu dublei, por exemplo, todos os filmes do Chaplin onde ele fala; em Zorba, O Grego, o Anthony Quinn; o Darth Vader do Guerra Nas Estrelas; o Fred Flintstone desse filme que passou agora. Fiz outro dia na Delart o segundo filme da Willy, a baleia, para vídeo. E no Burke's Law (pela Record), o Dom DeLuise, que fala muito depressa. É um trabalho exaustivo. E desenhos animados: nos Smurfs eu fiz o Papai Smurf, o Vaidoso e mais o fazendeiro; n'A Família Addams, o Gomes...A Patrulha Estelar é um desenho antigo, parece que ta pra voltar, né?, você tem mais subsídios do que eu...
 
Falando em Delart, eu me lembrei que você fez o Ivan Ooze...

É, nós fizemos lá o Power Rangers para cinema. Eu acredito que colocaram o Ivan porque nas estorinhas a parte de bandidos é muito bobinha. Quem aparece mesmo é o herói. E o trabalho do herói pra dublagem acaba sendo sempre mais fácil, porque ele fala bonito, enquanto o bandido tem que trabalhar o dobro pra sobressair. O Power Rangers é um filme pequeno, que mostra muito mais eles sem do que com
a vestimenta. E a criançada não quer ver eles sem a vestimenta. Tanto, que os Cavaleiros do Zodíaco têm a fama que têm porque abre a primeira imagem e são eles todos daquele jeito. Power Rangers é uma segunda força, mas com uma diferença terrível dos Cavaleiros. Eu bem sei, porque o moleque lá adora. Agora, o Ivan Ooze é um excepcional trabalho do ator, que realmente puxa o filme, porque ele é exuberante na maneira de falar, nos gestos...Gostei bastante de fazer.  

Eu gosto de dublar na Delart, até porque lá eu fico sob a tutela do Pádua Moreira. Na hora em que ele dirige, a gente trabalha em completa harmonia. Eu acho que o trabalho primordial do diretor de dublagem é ajudar o ator e não se colocar acima dele. Quando acaba, a direção não aparece; aparece sim o ator consciencioso: "fiz bem, mas o diretor me deu uma mão".

Dublador não existe. Existe ator em dublagem na profissão de ator, que é o que deveríamos ser primeiro, pra depois sermos dubladores. Há um bom tempo, existe uma tal de escola da dublagem, e eu não acho legal, porque até hoje praticamente não apareceu um vindo de lá pronto para dublar. A gente precisa burilar, ensinar e ajudar, porque eles não vêm nada, nada prontos. É mais um negócio de pegar uma grana por mês e ta acabado.

E daí a gente passa para a estória de você ser funcionário da Herbert e não poder trabalhar lá...

Eu fui presidente da Associação Profissional dos Trabalhadores em Empresas de Dublagem, na gestão anterior à atual.

Algumas pessoas são mais políticas do que outras: eu, por exemplo, sou franco - não seria nunca um bom político. Então, quando pensaram no meu nome para a presidência, eu disse que não ia pegar isso para brincar, mesmo porque eu sempre soube defender os meus interesses. Foi o que me propus e fiz. Ou seja, eu pressionei de tal maneira o Herbert, que ele tinha que me dar o troco. A princípio, ele só deixava eu trabalhar as sete horas estipuladas em contrato, o que daria um salário-mínimo. Mas aí para que eu não aparecesse lá e não visse nada de errado, ele proibiu de me escalarem. Então até hoje recebo um salário-mínimo dele, sem trabalhar. Como havia o respaldo sindical, ele achou por bem não me mandar embora, porque eu tinha entrado na justiça com ele, onde estou até hoje. O Herbert tem um ótimo advogado, como um relacionamento fabuloso, e esta porcaria não anda.

Não adianta muito a gente ficar reclamando. Porque o que eu acho que realmente falta à nossa classe é uma disposição de enfrentar os patrões numa briga franca: não por brigar, mais de solucionar. O Herbert desde 78 paga o diabo da segunda hora menor. Só agora eles conseguiram que ele pague a hora sempre igual. Só que nessa hora igual até hoje está incluído o descanso remunerado - a porcentagem que você recebe pelo domingo. E esse descanso remunerado não pode fazer parte de nenhum coeficiente que você use pra achar um tanto qualquer: a hora lá do contratado é 16% do mínimo; mais nisso tem n de descanso remunerado. Então não é 16%: é menos. E isso é contra a lei. Mas todo mundo faz de conta que conseguiu, só porque ele não está mais pagando a hora secundária menor.

Eu sempre me perguntei o porquê da Herbert perder tantos dubladores. Qual a sua explicação para isso?

Para você se dar bem na Herbert Richers, você não pode defender determinados princípios, porque vai acabar sendo cortado. Então, a pessoa que está ganhando razoavelmente bem não quer fazer confusão. O que seu mestre mandar, faremos todos. Essa é a verdade. Tanto, que esses mesmos elementos que lá aceitam uma série de coisas, nas outras casas reclamam. Dois pesos e duas medidas. Até a lei dá um jeitinho pro seu Richers e dificulta pras outras casas. A Herbert, que tem seis estúdios funcionando diariamente, precisa ser vista com uma diferença das outras, que às vezes têm um estúdio mal funcionando. Você não pode aplicar as mesmas coisas para empresas completamente diferentes. Então tem firmas, como é o caso da Telecine, que se precisarem pegar um corpo de funcionários para trabalharem, abrem falência: não há trabalho, praticamente!, aqui tem, mês sim, mês não. Mas não se pode dar ao luxo de ter 30 funcionários. Pra cada 100 reais pagos, existem 102 de despesas em cima. É por isso que muitos fogem de contratar.

Eu acredito que cada um possa seguir com o seu modus operandi; mas sempre deve sobrar uma parcela pra que tentemos unificar isso de maneira que a gente fique forte, pra lugar contra os mais fortes. São fortíssimos. O Richers ta ligado com a Globo, com os grandes distribuidores americanos...Então ele sabe que conta com um grande trabalho e que nós temos de estar ali à disposição.
      
Agora, está acontecendo outra coisa muito ruim no nosso meio: nós tivemos um pessoal que foi trabalhar na TV Colosso; e dentro da Globo eles conseguiram se aproximar da seção de cinema e aí começaram a mexer isso de tal forma, que se determinaram como os donos do mercado. Então eles interferem em trabalhos pra que alguns atuem mais que os outros. Como o Herbert tem briga com diversos bons dubladores, se existe uma série de pessoas que trabalham lá, é porque não vai sair o melhor trabalho para elas. E no lugar disso eles se colocaram, influenciam e se ajudam. Inclusive com diretores de outras casas combinados pra escalar esse elenco. Então isso é um negócio que tem atrapalhado demais o nosso meio, porque alguns se aproveitam bastante e outros estão à porta da miséria.

Gostaria de finalizar dentro de um sonho.

Eu gostaria de ver empresários e trabalhadores se unindo em prol de um bem comum: do lado do empresário, o seu capital; do lado do empregado, o seu bolso, a sua família, o estômago. Mas de uma maneira bonita, não ter de viver de capacho pra poder ganhar um pouco mais. Isso é muito ruim.
                             

Agradecimentos ao Centro Cultural da Juventude de São Paulo pelo Material.

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